segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Didática


É uma aprendizagem lenta e difícil
a solidão.
Exige uma técnica
que não se aprende
nos bares,
que não se aprende
nos cybers.
Aprende-se com o fraquejar
dos melhores amigos,
mas sobretudo se aprende
na multidão.
É uma aprendizagem lenta e difícil
a solidão.

[inédito de Eleazar Carrias, primeira versão]

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ESCUTANDO FREUD - Bernard Charlot sobre a condição humana

[Trecho duma entrevista publicada na revista Poli, n. 09, de janeiro/fevereiro de 2010]


O sr. disse, na sua palestra no Fórum, que quando o homem começou a trabalhar, na sociedade agrícola, ele começou também a explorar o outro. Como podemos entender essa fala sem pensar na exploração como próprio de uma ‘natureza humana’?
Acho que a noção de natureza humana não faz sentido. Eu falo de condição humana, que é diferente de natureza humana. A condição humana é o fato de que o homem nasce incompleto. Como já dizia Kant no século XVIII, o homem nasce imperfeito, diferente do animal que nasce quase perfeito — no sentido etimológico de perfeito, que significa completamente feito. O homem nasce incompleto, mas nasce no mundo humano. Ele vai se constituir como humano ao apropriar-se do patrimônio construído pelas gerações anteriores. Isso me parece ser a condição humana, que significa claramente que não temos natureza humana. Porque, incompleto, é também um ser de desejo e de desejo nunca completamente satisfeito. Esse é o problema da felicidade. De certa forma é impossível o homem ser feliz porque é impossível o homem ficar quieto, já que ele nunca vai se completar. Enquanto sujeito, sempre tem desejos. Isso abre a porta à questão das relações entre meus desejos e os desejos dos outros. E isso gera conflitos, concorrência, rivalidade que funcionam no mundo humano, ao mesmo tempo que traz formas de solidariedade, porque o homem precisa de outro homem para viver — inclusive do ponto de vista afetivo. Essa é a porta para a exploração do outro e para uma série de conflitos: não por causa de uma natureza humana que seria má, mas por causa da própria condição humana.

Mas, se tem a ver com a condição humana, isso não se resolveria ou atenuaria numa sociedade socialista, por exemplo, cujas bases da estrutura econômica não estivessem firmadas sobre a exploração?
Não sei. Com 65 anos, a palavra socialista me parece cada vez mais obscura. Mas também não sou determinista porque entendo que, ao mesmo tempo, os homens têm um poder de tentar controlar o seu destino. O que acabei de definir é o encontro do desejo. Mas vamos usar de novo a psicanálise, que me parece muito esclarecedora nesses assuntos. Freud explicou que a criança nasce sob o domínio do princípio do prazer: eu quero tudo de imediato sem dar nada em troca. Só que, ao viver assim, vou perder uma coisa fundamental, que é a relação com os outros seres humanos. Portanto, devemos passar do princípio de prazer ao que a psicanálise chama de princípio de realidade. Isso significa que, se por um lado há desejo, por outro há normas para regular as relações humanas. Acho que uma sociedade socialista — com a palavra entre aspas, para deixar o espaço da sua indeterminação hoje — pode viver sempre em tensão entre um princípio de concorrência e um princípio de regulação e de solidariedade. Sabemos também que o funcionamento do princípio de concorrência como único leva à catástrofe, como a catástrofe neoliberal atual. Estou tentando dizer que nunca vamos estabilizar a situação, nunca vamos ultrapassar essa contradição fundamental: princípio de prazer e princípio de realidade; conflito e concorrência de um lado e solidariedade e necessidade de uma relação humana de outro. Acho que nunca vamos superar completamente essas contradições. Desse ponto de vista, o socialismo não vai ser o fim da história, não vai ser nunca uma sociedade ideal já alcançada, já realizada. O homem tem que viver com essas contradições. Mas pode viver com essas contradições avançando.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Fuga


Mas, se resta alguma estima,
acima de tudo promete que não voltarás.

Vai. É um risco, cada esquina,
mas, corre as ruas como se fossem iguais.

Que elas não são. Não liga.
Eu te daria meu alforje.

Mas vê. Não há nada nele que consiga
tornar teu passo mais forte.

Não contes com asas – nem digas
que não te basta o ritmo incisivo.

Não. Não te despeças. Não precisa.
Levas nos calcanhares
meu coração pervasivo.


[inédito de Eleazar Carrias]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Teoria da ausência

A saudade que sinto de você
é uma saudade tão curta e tão concentrada
que não chega a ser saudade.
É uma saudade espremida entre um dia e outro.
É uma saudade encolhida, sufocada
numa geografia mínima,
tão mínima que não pode ser saudade
o tecido suspenso, estendido entre mim e você.


Se fosse saudade
eu até me gabaria de senti-la, porque de você.
Mas não. É antes uma presença residual. Definitiva.
Como dor que me quer abraçar
Como ausência que não se despede.
A saudade que eu sinto de você não tem razão de ser.
É uma necessidade de sofrer hoje
o que não terei jamais: sua ausência.

[do livro Quatro gavetas]