terça-feira, 15 de maio de 2012

Você nunca



Você nunca pegou uma dessas pedrinhas brancas e lisas que a gente encontra nos riachos e ficou olhando pra ela com grande pesar. Não ficou olhando, olhando... até tudo em derredor tornar-se silencioso e nada. Nem achou que essa pedra é tão bonita e estava fazendo o quê num riacho. Não achou tão bonita e tão útil essa pedra a ponto de pô-la com carinho entre a mão e o peito e levá-la pra casa e deixá-la amiga e solidária na estante, ao lado de livros antigos bem lidos. Se um cientista pegasse essa pedra, tiraria dela tanta coisa que daria um livro. Faria o discurso da pedra, daria uma vida à pedra. Não é sempre que se tem riacho. Muito mais não é sempre que se tem pedra branca e lisa colhida em riacho. Você nunca amou uma pedra assim porque uma pedra num riacho não faz diferença: do riacho o bom é a água. Eu também não importantizava as pedrinhas riachais. Foi um escritor de nome que esqueço que me fez amá-las. Você nunca. Eu as amei tanto que levei delas pra casa.
Perderam toda a beleza.


[poema inédido de Eleazar Carrias]

quinta-feira, 8 de março de 2012

Metafísica primeira



Existe um lugar que se não pode imaginar.
Ali pássaros descansam de tanto canto.
Estão deitados de braço aberto
e ouvem uma sinfonia de anjos
tocando cordas e sopro
há tanto tempo, que fossem homens
já o teriam cessado.

Há um lugar onde os pássaros
dão um suspiro longo e gozoso,
enquanto esperam sem ânsia
até que um novo sol exploda.

[poema inédito de Eleazar Carrias]

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

NOSOLOGIA


Não está claro ainda
quem de nós dois me consome
quem de nós ficou sem nome,
confundido por tantas letras –
placas à beira do caminho.

Nunca se acostumar
com teu corpo, nunca deixar
de cobiçar a umidade
no teu lábio de mármore –
e ter de escolher um caminho!

E esta nosologia: separar
tudo que do outro recebi cativo;
nada que de mim é falta no amigo.
Não está claro ainda.

[inédito de Eleazar Carrias]

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MINHA CANÇÃO DO EXÍLIO


por Bia Carrias

Saudade do mato!
Saudade de Breu Branco.
Dos moradores incrédulos,
Da cidadezinha que não escutou o teu protesto.
Saudade daquele chão que não merecia o teu fruto,
Que oprime o talento,
Te escreve nas faixas, e te apaga dos muros!
Saudade da intenção sem sentido,
Beirando o ridículo,
Da Bíblia de madeira no monte da praça.
Saudade do velhinho escutando a rádio,
Debaixo do pé de manga,
Atento a tudo que passa...
Daquela senhora gritando àqueles meninos descalços.
Saudade daquela juventude rompendo a noite,
Sem pensar no futuro, mastigando a vida,
Morrendo pro mundo.